Pedro Tierra
Hoje, quando a primavera pública reclama
teu corpo para manter acesa
a explosão das flores e fecundar
a vertiginosa aventura da vida,
indago dos ipês deste setembro:
"Vale a pena sonhar?"
E recolho nas sombras
da memória onde oculto meus fantasmas
a urgente caligrafia dos relâmpagos
com que você redigiu sua resposta:
"Vale a pena sonhar."
Tardio, deixo sobre teu coração
arado pelas batalhas do século,
como a última folha do inverno
que se despede, um verso antigo,
dito em voz baixa,
diante da luz maravilhada dos teus olhos.
Talvez já estivesse escrito
- e não sabemos -
pelas mãos invisíveis do poeta
que nos habita o sangue,
nos muros de uma cela da Rua da Relação;
nas encostas do vale do Ebro;
numa esquina sombria de Toulouse ocupada;
num calabouço da Barão de Mesquita
ou nas páginas de um livro de atas, no colégio Sion:
Nessa hora de cinzas e sonhos devastados,
recolher nas mãos aquela estrela
que entre as dobras da sombra
se revela
e acender a metade humana que combate
e combatendo recria,
apaixonadamente,
a utopia.
Pedro Tierra é poeta.
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