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sábado, 3 de novembro de 2007

Amazônia chão das águas

“Aceitar as surpresas que transformam teus planos, derrubam teus sonhos,
dão rumo totalmente diverso ao teu dia e quem sabe, a tua vida.
Não há acaso. Dá liberdade ao Pai para que Ele mesmo conduza a trama de teus dias.” Dom Helder

Queridas Irmãs, compartilho com vocês o tempo que estive na Amazônia, foram três meses de intensa vida partilhada junto aos povos amazônicos. Chegar a uma terra desconhecida foi o primeiro desafio, o primeiro contato com os lugares que eram só nomes foram se tornando reais, passam a ser história de minha vida, tem rosto, tem nomes, tem afeto, laços de ternura, encantamento, surpresas. Uma constante aprendizagem diante da diversidade dos povos lá residentes. O segundo foi sair da terra firme e andar pelos imensos rios amazônicos, deixar de lado todas as seguranças e adentrar ao desconhecido, inseguro, novo, o que requer coragem, disposição e espírito de aventura.
Estive junto a Equipe Itinerante, um grupo de Religiosas, Religiosos , Leigas e Leigos que assumem a missão junto aos povos indígenas, ribeirinhos e marginalizados urbanos, o trabalho é na área da educação indígena, formação de lideranças, medicina tradicional, formação de comunidades.
A comunidade missionária esta inserida numa pequena ocupação no Bairro de Letícia – Colômbia, fronteira com Tabatinga-AM em uma casa de palafita. A comunidade se caracteriza pela Itinerância nas comunidades, aldeias, periferias, paises.
Tabatinga faz fronteira com Peru e Colômbia, uma cidade de mais ou menos 40 mil habitantes, em sua maioria migrantes dos dois paises, com grandes problemas na área da mobilidade humana, narcotráfico, tráfico de seres humanos, violência. Por ser uma cidade de fronteira é toda cercada por militares do exército brasileiro e americano, fator que agrava os problemas e evidencia a cobiça dos Paises que exploram a floresta.
Durante os três meses tive uma programação intensa:
Nos 10 primeiros dias pude conhecer a realidade de Tabatinga, e cidades vivinhas, Letícia – Colômbia, Santa Rosa e Islândia no Peru.
A primeira itinerância foi para um Encontro Geral das Lideranças indígenas do Vale do Javari, onde ficamos 20 dias entre viagem e encontro. O Vale do Javari, que faz fronteira com o Peru e a Colômbia, vivem os povos Kulina, Kanamari, Mayuruna, Matís, Korubo e Marubo. A área possui o maior número de aldeias de índios não-contatados do país, ou seja, aqueles que vivem sem qualquer relação com a sociedade envolvente. Na região, há um problema grave de casos de hepatite e malária.. Uma área de 8 milhões e 500 mil ectares, para nós brancos podermos entrar nesta área é preciso a permissão do Departamento de Índios Isolados, Frente de Proteção Etno-ambiental.
Neste encontro pude ter uma visão geral dos Povos do Vale do Javari, em relação à precariedade da saúde, que tem números alarmantes de malaria, hepatite, desnutrição, diarréia, gripe...uma população de 3.583 indígenas. Um olhar para a forma de organização e resistência para manter viva a cultura do povo, a problemática da educação, o resgate da saúde tradicional e o desafio em manter os jovens nas aldeias, com o contato com a cidade e a tecnologia.


A segunda itinerância foi de um mês, para o Rio Curuçã, fronteira com o Acre, uma viagem de 10 dias, para chegarmos à aldeia. Percorremos 900km em uma pequena canoa, com 11 indígenas, este foi o maior desafio, passar dez dias sem caminhar, vivendo em um pequeno espaço, passando o dia e a noite sentados, deitados em um espaço apertado dividindo tudo com todos, foi à experiência mais profunda de inserção na vida do povo que tem seu único meio de transporte a canoa e passa semanas, meses andando nas águas para chegar a uma cidade, povoado, aldeia. As distâncias são enormes, a comida é providenciada durante a viagem, o que a floresta em sua generosidade oferece a quem dela vive, o que muitas vezes nem sempre é encontrado pelas cheias ou baixas dos rios, fases da lua...
A terceira itinerancia foi de 20 dias junto aos povos ribeirinhos que vivem as margens do Rio Solimões em São Paulo de Olivença. Vistamos 17 comunidades indígenas, Kocamas, Ticunas, Kambebas e Kaixana, que pelo contato com o branco perderam muito sua cultura e agora estão em processo de resgate de sua identidade.
Depois de cada itinerância, retornávamos a nossa comunidade – casa - para recuperamos as forças, nos curar das tantas picadas de insetos, que pela falta de costume nos enchíamos de feridas e ‘perebas’, celebrarmos, partilharmos a missão, avaliar e planejar as novas itinerâncias.
Foi um tempo muito precioso, compartilhar a vida com outras congregações, com os leigos e leigas, sair da terra firme e andar nas águas, desapegar-se de tudo, levar só o necessário, viver o hoje o agora, pra mim que sou de uma cultura do acumulo, do fazer hoje para ter amanha, é um outro jeito de ver a vida, entender o mundo.
Conviver nas aldeias foi o tempo mais profundo de vivencia de minha espiritualidade, participar dos rituais de cura, pajelança, ouvir os tantos mitos, as danças, a troca, a busca de conservar os valores da cultura,e é claro perceber que o povo não só vivem da floresta, mas são a própria floresta.
O tempo foi curto, porém muito intenso, vivi cada dia, com muito respeito, escuta e certeza de estar numa terra sagrada, junto aos povos sagrados, os quais nós brancos - cristãos temos uma divida muito grande.
Agradeço muito a congregação pela vivência deste tempo num pedacinho da imensa Amazônia, que pela sua beleza revela a obra da criação, mas que pela mão do ser humano é constantemente destruída.
Agradeço de modo especial as minhas coirmãs que na minha ausência assumiram meus trabalhos, não prejudicando a caminhada da província.
A todas as irmãs, irmãos da Equipe Itinerante, aos povos indígenas pela vida compartilhada e vivida.
Sinto-me aberta e disposta a viver e assumir uma missão enquanto congregação na Amazônia, quem se sente com coragem? Não é este um novo espaço de missão para nossa itinerancia missionária?

Aldeia Maronal – Povo Indígena Marubo Crianças na escola aprendendo danças.
Quem tiver interesse em conhecer mais a região pode acessar Google – FUNAI – Vale do Javari.
Roselei Bertoldo Ir.

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